A hora e a vez dos investidores

Retorno a longo prazo considera fatores ESG - ambiental, social e das formas de tomada de decisão

“As questões ASG tornaram-se muito mais importantes para nós como investidores de longo prazo. Buscamos analisar questões materiais como risco climático, qualidade do conselho ou segurança cibernética em termos de como eles afetam o valor financeiro de maneira positiva ou negativa”, Cyrus Taraporevala, CEO da State Street Global Advisors.

Os órgãos de governança das empresas já se ocupam há algum tempo com a gestão de riscos financeiros e a condução de boas práticas nos negócios. Dar visibilidade ao modelo de negócio e mostrar a maturidade da organização frente aos desafios de mercado sempre foi um papel de acionistas e executivos. Entretanto, a crescente demanda por riscos sociais (por exemplo aqueles que geram impactos em saúde, em segurança e nas comunidades de entorno) e ambientais (aqueles que geram impacto em emissões, no uso de recursos e na geração de resíduos) criou áreas dedicadas à gestão desses temas nas grandes empresas. Além disso, empresas de capital aberto, principalmente, passaram a criar comitês específicos ligados aos Conselhos, mostrando um teor mais estratégico para esses temas. Atualmente as discussões vêm sendo incorporadas pelas áreas de Riscos e Relacionamento com Investidores ou mesmo Relações Institucionais.

A finalidade desses planos e compromissos ligados a temas socioambientais é tornar a empresa mais conectada à demanda crescente de fundos de investimento e bancos, além de fortalecer o posicionamento em temas mais candentes. O fato de as discussões sobre questões ambientais, sociais e de governança corporativa terem chegado à grande mídia reforça essa tendência. No Brasil, os temas já fazem parte da agenda dos noticiários, principalmente por escândalos envolvendo impactos negativos significativos de grandes empresas como os casos das tragédias de Mariana e Brumadinho, e as operações federais no âmbito das Operações Lava Jato e Carne Fraca.

Alguns fundos de investimento têm tentado se proteger desses riscos de imagem e reputação que corroem valor e buscam empresas que se destacam por uma postura mais ética e responsável. No caso da Warren, gestora de investimento digital, o pedido veio dos próprios clientes. Eles demandaram à fintech que constituísse um fundo com empresas brasileiras e estrangeiras que estejam dentro de critérios rigorosos de sustentabilidade e governança. Foi assim que foi criado o Warren Green, produto focado em investimentos, diretos e indiretos, em ações. Para participar, as empresas brasileiras precisam necessariamente figurar simultaneamente em três índices da B3:

  • Índice de Sustentabilidade (ISE);
  • Índice de Governança Corporativa (IGC);
  • Índice Carbono Eficiente (ICO2).

Até 70% do patrimônio do Warren Green dever ser alocado em ações de empresas neste perfil. Klabin, Natura, B2W e Lojas Renner estão entre as empresas parte do fundo verde, que também está comprando ações norte americanas da Tesla (fabricante de carros), da Beyond Meat (startup que produz carne plant-based) e da Etsy (e-commerce de produtos handmade).

Embora a opção da Warren seja por seguir os índices da B3, existem limitações no uso dessas plataformas de classificação das empresas. Além de não incluírem empresas de capital fechado, há sempre o questionamento sobre a efetividade dos índices. A Vale, por exemplo, figurava no ISE até o rompimento da barragem em Brumadinho. Em março de 2015, era a Petrobras a excluída do Índice Global Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI World, na sigla em inglês). A estatal estava listada desde 2006 no índice e foi retirada por conta dos casos de corrupção nos quais se envolveu.

Outros standards são muito utilizados pelas empresas para reportar suas práticas e compromissos socioambientais, como o GRI Standards (da Global Reporting Initiative) e as diretrizes de relato integrado (do International Integrated Reporting Council), mas também os padrões do Sustainability Accounting Standards Board (SASB) e do International Finance Corporation (IFC). Muitas dessas ferramentas acabam se tornando requisito para a atração de capital e para a comunicação com investidores.

Constantemente ocorrem críticas sobre a capacidade de resposta das organizações nesses relatórios, além da falta de tempestividade e foco dos materiais. A evolução dos relatórios corporativos é uma discussão longa e complexa, que passa pelos seguintes aspectos:

O enrijecimento de questões mandatórias (como a experiência sul-africana, brasileira e sueca que tornaram obrigatório o “relate ou explique” — iniciativa da B3 e de outras bolsas tornando mandatório que as empresas publicassem reporte ambiental ou explicar o porquê não reportam esses resultados — e, ainda, a vinculação de crédito a este tipo de reporte);

A acuracidade das métricas e consequente melhora da comparabilidade dos dados;

A integração de standards e maior inteligência no intercâmbio de informações, sobretudo com inserção de novas tecnologias.

Entre a responsabilidade e o “tiro no pé” | a consistência na divulgação de informações ASG

Apesar da demanda dos investidores, das ferramentas disponíveis e da apropriação de temas socioambientais pelos órgãos de governança, ainda encontramos bastante resistência dos executivos em relação ao nível de transparência em torno dessas questões. A dificuldade aparece quando a empresa precisa revelar que ainda não está madura sobre certos riscos ou oportunidades. Um exemplo clássico recai sobre o tema das mudanças climáticas. A maior parte das empresas não possui um posicionamento claro, pois ainda falta aprofundamento para identificar como esses riscos afetarão os negócios e quais oportunidades esse fenômeno antrópico pode gerar. Por conta da imaturidade da gestão se rejeita este como um tema relevante.

O mesmo ocorre com assuntos polêmicos ou cujo impacto negativo seja relevante. A falta de conhecimento (ou até mesmo de coragem) de alguns executivos faz com que certos temas fiquem velados, sejam apresentados numa abordagem superficial, ou nem sejam abordados nas publicações anuais. O conflito de interesses dos executivos e dos investidores é algo relevante de ser abordado. Por um lado, o executivo pode mirar um bônus com resultados de curto-prazo que escondam um custo maior para o longo prazo, enquanto investidores aportam capital esperando resultados mais perenes e sem grandes surpresas indesejadas no futuro.

É importante mencionar que não vemos ‘má fé’ dos executivos neste sentido, trata-se de uma disposição humana e legítima que ocorre — na maioria das vezes — dentro das regras do jogo. É quase espontâneo pensar que quando uma organizações dispõe de uma medida de compensação ambiental ou um projeto social (que exigem um trabalho considerável para serem executados e gerenciados), significa que há gestão para resolver eventuais impactos negativos e problemas dessa natureza. Os mecanismos de monitoramento e controle para as questões ASG podem mudar muito rapidamente e uma gestão conservadora não dará conta de prever seus efeitos no futuro. É neste momento que a defesa de que “está tudo bem”, de que “estamos trabalhando” ou “está gerenciado” pode ser insuficiente para a perenidade dos resultados.

É importante, portanto, que os mecanismos de governança rompam com o desejo pragmático dos gestores de alcançar resultados (lucro e prestígio) a qualquer custo. Há que se encontrar o equilíbrio entre explicitar os desafios e limitações do negócio, sem que isso represente um “tiro no pé” e afugente os investidores. Ao passo que se demonstre maturidade e planejamento de longo prazo para atraí-los, com um enfrentamento que esteja à altura das questões críticas levantadas pelo negócio.

Os executivos conhecem melhor que ninguém as forças e fraquezas da própria organização para gerar valor, mas às vezes não percebem a criticidade dos impactos ambientais, sociais e econômicos que gera. O grau de dificuldade aumenta quando se busca evidências de resultados nessas organizações de valor criado aos stakeholders internos e externos. Como os órgãos de governança estão sendo cada vez mais cobrados em produzir resultados nesse aspecto, os executivos já compreenderam que gerenciar os temas ASG tem impacto direto nos resultados de força e de presença de mercado, especialmente quando se trata da atração de capital e das expectativas dos stakeholders.

Todo tipo de negócio deverá lidar com essas temáticas. Diversas cadeias de abastecimento, por exemplo, estão expostas aos efeitos das mudanças climáticas e ao esgotamento dos recursos naturais. Também pode-se assumir que a desigualdade, a instabilidade geopolítica e o subdesenvolvimento de algumas regiões são aspectos limitantes ao potencial de desenvolvimento de mercados e economias emergentes.

Nos Estados Unidos, em julho deste ano, os legisladores da Câmara dos EUA deram um passo importante para proteger a economia americana dos impactos das mudanças climáticas. Eles deram avanço aos trâmites da legislação que exige a todas as empresas de capital aberto a divulgação de informações críticas sobre riscos relacionados ao clima, parte de suas operações e da cadeia de fornecedores. A Lei de Divulgação de Riscos Climáticos de 2019 está enraizada nos princípios de transparência, materialidade e necessidades dos investidores por informações adequadas para garantir retornos financeiros robustos a longo prazo.

A Ceres, organização sem finalidade econômica que trabalha junto aos mais influentes investidores e companhias para desenvolver lideranças e criar soluções ao longo da cadeia econômica, realizou uma pesquisa que identificou que quase 50% das 600 maiores empresas dos EUA, avaliadas, não divulgam informações úteis sobre riscos relacionados ao clima. Aquelas que divulgam, o fazem de forma generalista, sem muitos detalhes e com abordagem breve. Isso quer dizer que os investidores não estão obtendo informações necessárias que expliquem a quais riscos suas carteiras estão expostas, a quais perdas estão sujeitos.

“Os investidores têm afirmado consistentemente que os desafios da sustentabilidade apresentam riscos financeiros relevantes e que o entendimento desses riscos precisa ser incorporado aos nossos sistemas de mercado de capitais. A divulgação é um método para ajudar os mercados a levar em conta esses riscos e é crítico. Riscos são riscos e precisam ser divulgados — sejam provenientes de acordos comerciais, preços flutuantes de commodities, inflação ou mudanças climáticas”, publicou Mindy Lubber, CEO da Ceres, em artigo para Forbes.

“Para precificar corretamente as empresas, investidores precisam de informação sobre todos os riscos significativos e as oportunidades das empresas. O que os investidores precisam é de informações relevantes e confiáveis e isso significa mais do que histórias de sucesso”, publicação do Ceres.

Critérios ASG em investimentos

A partir do entendimento de que a maioria dos líderes corporativos compreende que as empresas têm um papel fundamental a desempenhar no enfrentamento de desafios urgentes, como as mudanças climáticas, no primeiro semestre deste ano, a Harvard Business Review entrevistou 70 executivos seniores de 43 empresas globais de investimento institucional, incluindo os três maiores gestores de ativos do mundo (BlackRock, Vanguard e State Street) e grandes proprietários de ativos, como o Sistema de Aposentadoria dos Funcionários Públicos da Califórnia (CalPERS), além de professores estaduais da Califórnia.

O artigo da HBR diz ser clara a manifestação dos investidores em relação a preocupações sobre sustentabilidade e isso ocorre há várias décadas. Entretanto, é recentemente o fato deles traduzirem suas palavras em ação. A maioria dos líderes de investimento ouvidos nesse estudo descreveu etapas significativas que suas empresas estão tomando para integrar questões de sustentabilidade em seus critérios de investimento. A pesquisa deixou claro que os líderes corporativos em breve serão responsabilizados pelos acionistas pelo desempenho ASG, se ainda não o são.

Entrevistado, o CEO da State Street Global Advisors, Cyrus Taraporevala disse o seguinte: “as questões ASG tornaram-se muito mais importantes para nós como investidores de longo prazo”, expressando uma visão ecoada em muitas das entevistas realizadas pela HBR. “Buscamos analisar questões materiais como risco climático, qualidade do conselho ou segurança cibernética em termos de como eles afetam o valor financeiro de maneira positiva ou negativa. Essa é a abordagem integradora que cada vez mais adotamos para todos os nossos investimentos”.

O mercado de capitais parece estar no meio de uma mudança radical. Quando os Princípios para Investimento Responsável (PRI), apoiados pela ONU, foram lançados em 2006, 63 empresas de investimento (proprietários de ativos, gerentes de ativos e prestadores de serviços), com US$ 6,5 trilhões em ativos sob gestão, assinaram um compromisso de incorporar questões ASG em suas decisões de investimento. Em abril de 2018, o número de signatários havia aumentado para 1.715 e representava US $ 81,7 trilhões em ativos sob gestão. De acordo com uma pesquisa global de 2018 da FTSE Russell, mais da metade dos proprietários globais de ativos estão atualmente implementando ou avaliando em sua estratégia de investimento questões ligadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) — agenda 2030 da ONU.

Mesmo assim há um número significativo de lideranças executivas que parece ainda estar alheio a essa realidade. Uma pesquisa realizada este ano pelo Bank of America constatou que os executivos dos EUA subestimaram a porcentagem das ações de suas empresas detidas por empresas que empregam estratégias de investimento sustentáveis. A estimativa média foi de 5%; a porcentagem real é mais próxima de 25%, observa o artigo da Harvard Business Review.

Não há dúvidas de que os investimentos orientados por impacto positivo (impact-investment) ainda mobilizam uma pequena fração do mercado de capitais. Há um campo extenso a ser explorado que envolve a emissão de títulos com viés social e ambiental (os chamados socialbonds e greenbonds) e a orientação de investimentos em negócios de impacto (com comprovado valor social). Apesar desses “investidores de nicho” é fato que existem cada vez mais elementos para avaliar as empresas em relação à contribuição do negócio para a resolução de desafios socioambientais. Avaliar o nível adequado de risco e os modelos de negócio mais maduros em relação às tendências é o papel dos analistas de mercado, que já se mostram mais atentos às métricas e compromissos ASG. Neste contexto, a oportunidade se amplia aos pequenos negócios, por se apresentarem de maneira mais ágil em relação a essas transformações. Além disso, são os novos empreendedores que têm condição de já formatarem seus modelos de negócio como um negócio de impacto.

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