Miopia na estratégia e a rotatividade de CEOs no mundo

“A maneira de se conseguir boa reputação reside no esforço em se ser aquilo que se deseja parecer”, já ensinava Sócrates.

Qualquer um que tenha vivido os anos 1980 e 1990 sabe do quanto se gastava em câmeras fotográficas, filmes, revelação de fotos e álbuns de fotografia. Por 40 anos a Kodak dominou esse mercado. Em seu auge, a companhia foi dona de 90% do mercado de filmes dos Estados Unidos, além de ser uma das marcas mais valiosas do mundo. Mas, afinal, qual foi o erro da Kodak?

O ponto cego da companhia, segundo este artigo, não foi a perda do timing em relação à era digital. A Kodak inclusive inventou a primeira câmera digital em 1975. Acontece que em vez de a empresa comercializar a nova tecnologia, com receio de prejudicar seus próprios lucros no negócio de filmes, não investiu no segmento mesmo depois dos produtos digitais remodelarem o mercado.

A medida que a imagem digital predominou no mercado, Sony e Canon viram uma abertura para expandir seu market share e avançaram com suas câmeras digitais. Já era um pouco tarde para a Kodak.

Starbucks ‘pick-up’

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A história da Kodak é um bom exemplo da miopia corporativa, de um modelo de negócio que insistiu no foco no produto em vez de olhar para as tendências de consumo, para os novos hábitos e gostos do consumidor.

Há mais de dois anos como a principal liderança da Starbucks, o CEO, Kevin Johnson decidiu levar para a cidade de Nova Iorque uma loja express especializada da marca reconhecida por oferecer às pessoas um lugar para relaxar, tomar um café e responder uns e-mails no meio da rotina do dia a dia. Voltada para os clientes que preferem não esperar, a loja será inaugurada no quarto trimestre deste ano. A estratégia é uma tentativa de acelerar o crescimento da companhia.

A loja express da Starbucks permite que a compra seja feita online, com retirada na loja. Esse formato foi testado na China e coleciona resultados bem-sucedidos. Por isso a companhia já avalia abrir mais essa opção de ponto de venda em Seattle, São Francisco e Los Angeles.

O CEO explica que essas lojas não têm o intuito de substituir os cafés existentes, que entregam aos clientes a experiência de relaxar em um terceiro lugar, que não seja em casa e nem no trabalho. A loja express entrega agilidade e praticidade para o cliente Starbucks. “Pense nisso como Starbucks ‘pick-up’”, observa Kevin Johnson. Ele é ex-presidente e diretor de operações da companhia e sucedeu o CEO de longa data Howard Schultz em 2017, presidente e diretor executivo da Starbucks de 1986 a 2000, de 2008 a 2017 e presidente executivo de 2017 a 2018, um processo e transição, identificado pelo mercado como tranquilo.

O que se observa na estratégia da Starbucks é uma leitura mais correta sobre os espaços que as tendências ocupam no modelo de negócio. Há um medo nas empresas em canibalizar o seu produto principal. Este sentimento geralmente está ligado ao apego a processos e formatos já dominados pela organização. Pensar em abandonar este ambiente controlado gera ansiedade e recusa em muitos executivos e representa, por vezes, perda de oportunidades.

Troca de CEOs cresceu em empresas do mundo todo. Em 2018, o turnover foi de 17,5%

Outros casos de substituição de CEOs sinalizam mudança na direção. Na Daimler, uma das maiores fabricantes de carros premium e a maior fabricante mundial de veículos comerciais com alcance global, Dieter Zetsche deixou a cadeira de CEO dois anos antes do previsto, em 2018, depois de 13 anos na liderança executiva. Ele foi sucedido por Ola Källenius, chefe de P&D, com experiência em inovação, mobilidade e mudança digital.

Identificar e reconhecer as mudanças de mercado e de hábitos de consumo é importante para o olhar de quem assume a posição de um líder executivo. Os CEOs que têm mais história e histórico com as empresas onde trabalham e, ao mesmo tempo, têm atuação ética e estão alinhados às boas práticas de compliance são os preferidos. Repertório e reputação são importantes.

A consultoria Strategy&, da PwC, identificou que a rotatividade entre os CEOs das 2.500 maiores empresas do mundo atingiu um recorde de 17,5% em 2018–3 pontos percentuais acima da taxa de 14,5% em 2017 e acima da média da última década. A participação de CEOs de mulheres entrantes foi de 4,9% em 2018, um pouco abaixo da alta histórica de 6% em 2017. No grupo do qual o Brasil faz parte, junto com Rússia e Índia, a rotatividade foi de 21,6%.

Ricardo Pierozzi, sócio da Strategy& no Brasil, em entrevista nesta matéria, explica que dois pontos justificam o aumento da rotatividade entre CEOs:

Compliance — recorde do número de desligamentos por questões éticas, um número que vem crescendo na última década. Para Pierozzi, o aumento da regulação nos países, estruturas de governança mais fortes e o aumento da pressão da opinião pública contribuíram para o cenário.

Sucessão — ao longo de 2018 houve mais mudanças de sucessão planejadas, resultado de um movimento cíclico.

“Globalmente, desde 2008 tivemos um período longo sem uma grande crise. Com resultados bons, a pressão é menor e agora há esse planejamento por conta de idade e reciclagem da liderança”, disse Pierozzi em entrevista ao Valor Econômico.

Essa semana a Nissan divulgou que seu executivo-chefe, Hiroto Saikawa, envolvido em um caso de pagamentos indevidos renunciará no dia 16 de setembro. Quem assumirá a liderança executiva é o atual diretor de operações do grupo, Yasuhiro Yamauchi. O comitê de nomeação do Conselho de Administração planeja nomear um sucessor para Saikawa “antes do final de outubro”, segundo Kimura informou durante entrevista coletiva na sede da Nissan, em Yokohama, próximo a Tóquio. É mais um caso de substituição de cadeiras recentes em empresas no Brasil por questões de corrupção, do qual integram o grupo também BRF e Vale, nesta última o desligamento ocorreu em função de questões ambientais, além de criminais no caso de Brumainho, após o rompimento da barragem da Mina de Córrego do Feijão (MG).

No dia 2 de março de 2019, a assessoria de comunicação da Vale divulgou carta em que o então presidente da companhia, Fabio Schvartsman, pediu demissão da mineradora. A correspondência foi entregue ao Conselho de Administração a Vel. No texto, entregue hoje ao conselho de administração da empresa, Schvartsma. A íntegra da carta de demissão foi publicada pelo UOL.

Caso internacional, em 2015, o então presidente da Volkswagen, Martin Winterkorn, pediu demissão após a companhia admitir que equipou 11 milhões de veículos da marca em todo o mundo com um dispositivo fraudadore. Em setembro daquele ano, a Justiça alemã abriu uma investigação penal. Veja a linha do tempo do diesel gate.

CEOs “de casa” entregaram resultados melhores em comparação aos “outsiders”

Em 2018, pela primeira vez em seis anos, presidentes escolhidos internamente entregaram resultados melhores para os acionistas na comparação com os “outsiders”. O dado marca a volta a uma tendência que predominou entre os anos 2000 e 2012.

“A gente vê estudos demonstrando que o CEO que vem de dentro de casa tem mais chance de dar certo”, observou Pierozzi.

Os CEOs de longa data geralmente proporcionam retornos mais altos aos acionistas do que os CEOs que passam menos tempo na posição e geralmente são sucedidos por especialistas em uma sucessão planejada. No entanto, o estudo identificou que esses CEOs sucessores apresentam desempenho significativamente inferior e são muito mais propensos a serem forçados a deixar o cargo.

O movimento de trocas planejadas levou ao aumento no número de CEOs promovidos internamente.

Executivos-chefe contratados do mercado:

> 17% em 2018

>número mais baixo desde 2007

No Brasil, o tempo de permanência de CEOs nas cadeiras costuma ser curto

Um estudo da Bloomberg identificou que a passagem dos CEOs em seus cargos, no Brasil, dura pouco, cerca de três anos. Esse é o menor tempo de permanência de CEOs em 80 países.

Entre os executivos que assumiram a presidência em 2018:

>a idade média é de 53 anos

>apenas 4,9% são mulheres

>33% têm um MBA

>28% passaram a carreira inteira na mesma empresa

Os atributos dos novos líderes passam, necessariamente, pelas questões a seguir:

1. Conheça as ferramentas sem super ou subestima-las.
Nenhum termômetro de tendência é absoluto, nenhum método de construção de estratégia é definitivo, mas é fundamental conhecer as ferramentas que se ajustam melhor às necessidades do negócio.

2. Encontre o propósito.
Apesar de o alinhamento ao propósito ser quase um “clichê” no meio dos negócios, é importante que o executivo C-level tenha clareza sobre o propósito da organização e, ao mesmo tempo, não querer empurrá-lo a todos os colaboradores, necessariamente. O objetivo é manter o propósito vivo em si e encantar e engajar os liderados, além de ter no propósito um drive de inovação focado no que é importante e gera valor para a sociedade.

3. Garanta alinhamento entre o time e dê autonomia.
O melhor balanço na condução das mudanças está no equilíbrio entre deixar as pessoas encontrarem a melhor solução para entregar bons resultados, de modo que o resultado esperado esteja alinhado e combinado entre todos — quanto mais evidente esses resultados estiverem no mapa estratégico (mensurados, claros e objetivos), melhor.

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