Estratégias panópticas na era do ESG

Para mudanças efetivas será necessário compreender todo o ecossistema da organização

A mudança de patamar das questões sociais e ambientais estão influenciando a tomada de decisão das empresas. Esta frase, repetida diversas vezes entre profissionais de sustentabilidade, era quase como uma profissão de fé, a partir de iniciativas pontuais que apareciam de forma crescente nas organizações nos últimos 15 anos. Porém, a constatação vem encontrando maior amparo nas práticas empresariais. Mesmo longe de uma coerência irrefutável, elas vêm conseguindo endereçar aspectos socioambientais a partir da estratégia de negócio.

Executivos e conselheiros têm sentido a necessidade de definir objetivos e metas claros ligados a aspectos ESG. Essa maneira de pensar requisita ajustes nas ferramentas corporativas. Estratégias que de fato enxergam além do alcance consideram não apenas o share of wallet dos clientes ou os setores em crescimento, mas também a mudança cultural e a transformação das condições ambientais do planeta. Contudo, ainda há limitações na forma com que os mapas estratégicos são elaborados. Na maior parte das vezes, as questões de sustentabilidade (ambiental, social e econômica) ficam encapsuladas em pilares, impulsionadores ou iniciativas transversais da estratégia. O problema é que não se estabelece uma relação causal entre os KPIs de sustentabilidade e a capacidade de geração de valor da organização.

Em um artigo publicado pela HBR (Harvard Business Review) em fevereiro, Robert Kaplan (criador do BSC junto com David Norton, em 1992) e David McMillan levantaram justamente essa necessidade de se reimaginar o Balanced Scorecard na era do ESG. Algumas tentativas, como a da Amanco, demonstram esse esforço. Esta pode ser uma tendência para que se acomode ao topo do modelo não só a tradicional perspectiva financeira, mas também o viés social, ambiental e econômico. Para que as alterações sejam efetivas, será necessário que os executivos compreendam todo o ecossistema da organização, de modo que ela possa vislumbrar o que todos os stakeholders ganham ao fazer parte dele.

Cada vez mais é necessário que as organizações treinem um olhar amplo sobre todos que se relacionam - ou que futuramente venham a se relacionar - com elas. Por esse motivo, elas têm sido desafiadas a construir uma verdadeira estratégia panóptica (o termo “pan” significa tudo e “óptico” visão). Na linha do capitalismo de stakeholders (K. Schwab), é importante resgatar a perspectiva triple bottom-line (J. Elkington) para que se consiga criar estratégias de valor compartilhado (M.Porter e M. Kramer), onde o valor é ressignificado e expandido, possibilitando a regeneração da economia, sociedade e da biosfera. Neste sentido, somente uma entrega de valor evidente e legítima a todos stakeholdersserá capaz de gerar valor financeiro real e perene para as organizações.

O modelo panóptico de elaborar novos mapas estratégicos sugere compreender os sinais dos stakeholders como uma premissa, no centro da tomada de decisão.

Recentemente a rpt.estratégia teve a oportunidade de apoiar a EcoRodovias na revisão do seu mapa estratégico. Além da descrição de um objetivo ESG claro, a análise sobre seus aspectos permeou todas as camadas do Mapa Estratégico, distribuindo a responsabilidade e demonstrando maturidade dos gestores ao olhar para o tema. 

David Kallás, consultor parceiro da rpt.estratégia e que atuou no projeto, destaca que “o ideal é que o ESG esteja permeando a maioria dos objetivos do mapa, para não passar a impressão de se tratar de uma função delegada a uma área na organização”.

A análise de ambiente interno e externo da EcoRodovias levou em conta a materialidade e um perception ESG feito com investidores. O processo contou com uma revisão dos valores corporativos, a partir de uma pesquisa de cultura que envolveu todos os colaboradores e que mostrou baixa entropia na equipe mesmo no período de pandemia. Todos esses elementos permitiram renovar o olhar para os fundamentos estratégicos da companhia e desenvolver uma estratégia mais sensível ao seu ecossistema.

“Mesmo optando por um modelo mais tradicional de planejamento, tivemos um engajamento muito alto no processo, que permitiu uma atualização da estratégia muito conectada com o futuro do negócio”, comenta Fabio Trugillo, Diretor de Planejamento, Estratégia Financeira e Riscos do Grupo EcoRodovias.

Entendemos que há uma tendência de remodelar a forma como os processos de Planejamento Estratégico ocorrem. Novos líderes estão ávidos por uma discussão mais perene e objetiva sobre os caminhos estratégicos, especialmente num mundo onde não faz mais sentido reunir dezenas de gestores num hotel por dias para chegar a essas decisões. É essencial que direcionadores estratégicos, objetivos e metas conciliem mudanças proeminentes do mercado no curto prazo, sem perder a constante reflexão e mensuração dos impactos nos stakeholders e no meio ambiente.

Não se trata de uma habilidade simples, em termos de competência, e não existe um único template que permita à organização construir essa estratégia perfeita. No entanto, já existem ferramentas, ajustes e capacidades disponíveis para começar essa transição. 

Em uma era na qual Conselhos, investidores e bancos vêm sendo protagonistas na cobrança por compromissos ESG é preciso ir além de iniciativas pontuais e reativas e tornar o mapa estratégico em um elemento central na combinação do valor para os negócios e para os stakeholders.


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